A SUTIL ARTE DE LIGAR O V*NDE-SE

Rafael Escobar
7 min readJul 5, 2019

Queridos amigos, entramos ontem à noite oficialmente na era da Modernidade Gasosa, aquela em que as coisas não estão mais por todos os lados em todos os momentos, e sim as coisa tão tudo no ar, tão na volta o tempo inteiro, e ninguém vê porra nenhuma nem entende nada nem pensa sobre nada e só fica inalando os gás de tudo e morre com fome e com sede e burro.

Estive ontem sentado na sala de espera pra emergência de uma clínica psiquiátrica da qual muito já fui cliente. Também lá sentados estavam vários indivíduos, mas um em especial me chamou a atenção: ele se chamava Jonathan, descobri depois. O Jonathan tava de frente pra mim numa outra fileira de bancos, com sua simpática avó parada do lado. Enquanto a mão direita do Jonathan tava fechada em punho com apenas o dedão levantando e abaixando, como se clicasse constantemente na tela de um celular invisível, o Jonathan ficava olhando pros lados e pra cima e pra baixo, dizendo umas coisas que eu não entendia. Me aproximei, sentei do lado dele, e ouvi suas palavras. Vou tentar reproduzir: ALABALABALBA NHÉÉÉC CAIO COPPOLA DESTRÓI FÃ DE AVENGERS TRANS ULULULUUBUALA TARKOVSKI KIKIKIKAKAKAK NÃO SABE DEBATER NÃO DESCE PRO PLAYSTATION 4 YUDIYUDIDIDIDI MOCÓ MORO COMUNISTA PQ DEU LIKE N DEU AMEI??? HEINNN PAE QUALÉQUE SERIA MANO DO CÉU CRÉU CRÉU CRÉU NA VELOCIDADE DE UM ARIANO COM ASCENDENTE EM SCORPIONS PILILILILAUBAM NHÓC LIKE LIKE LIKE FECHEM STF FAZ TEMPO QUE NÃO PENSO NOS TRABALHADOR ATA LINDA ESSA NOVA POLEMICA TÁ TOP TU VIU QUE ABSURDO O QUE O RODRIGUINHO FALOU PRA ISADORA DE OLIVEIRA????? ANITTA FASCISTA DJAMILA RACISTA NOSSA O GREG DO GREGNEWS É SEGUIDOR DO JOAO KLEBER BRUNA FERRAZ ANDREA DWORKIN JURJUJIJIJIJIRJU.

Bom, foi mais ou menos isso que o Jonathan disse enquanto fazia aqueles gestos sentado ao meu lado. Sua avó tinha uma expressão triste de tão lúcida. Mas preciso esclarecer um ponto: vale lembrar que EU estava lá na emergência da clínica ontem à noite. Eu tinha tido (mais) um surto maníaco pré-psicótico e lembro de cada palavra que respondi ao Jonathan enquanto eu fazia com a mão e com a cabeça os mesmos movimentos que ele. As minhas palavras foram mais ou menos essas: LELEBELEBEBELE RUUUUUUMBA BOULOS DESTRÓI ESQUERDISTA ANTI BLACK MIRROR PLUC PLUC DESENHA AÍ UM BLACK MIRO UMA FRÔ RAÇA NEGRA RIARIARIAIRR DORGAS MANOLO PAOKSPAOSK ENTRA AE NO ASSUSTADOR PRA VER OS MAMONAS MORTO HUMORTADELA CIRO GOMES NEOCAPITAOZINHO DO MATO ANARQUISTA CRUJ CRUJ DERRIDA EQUIPE ROCKET JOOOOOOMBA DÁ COMIDA PRO MENDIGO EU SOU UM MONGOLAO VAPT VUPT LUBELUEBLUBU

O que provocou meu surto maníaco pré-psicótico dessa vez foi uma droga que venho usando sem parar desde a minha adolescência: café. Eu e Luís Boça, 32 anos, aparentemente tivemos nossa estabilidade mental e emocional muito prejudicada pela cafeína. Vinha há 37 dias sem dormir, só tomando café, fumando cigarro, imerso na internet do computador, do celular e da minha cabeça. Tenho passado o tempo inteiro vendo tudo e pensando em tudo e não sabendo nem fazendo porra nenhuma. Abro a mim mesmo as portas do INFERNO DA INFORMAÇÃO. Mas enfim, troquei mais umas ideias com o Jonathan até que a vó do maluco meu semelhante entregou o celular dele na mão dele e do nada o rapaz ficou quieto, mudo, concentrado. Me chamaram pra consulta e a primeira coisa que eu disse pra psiqui foi o seguinte: BILU BILU LULA LIVRE SUSPENDERAM SOLTARAM PRENDERAM ME AJUDA.

Não lembro muito do que ela falou, só sei que quando voltei a mim ela tava explicando que tinha me enfiado uma Ziprasidona goela abaixo e eu tava bem normalzinho. Saí com uma receita embaixo do braço e no caminho de volta pra casa passei no mercado e comprei um saco de pinhão (adoro pinhão); cheguei em casa, larguei o pinhão na cozinha, fui pro meu quarto e aí vi o que a médica tinha me receitado: “leitura do livro ‘A arte de ligar o f*da-se’ — Mark Manson”. Eu sabia muito bem que livro era esse, já tinha visto ele por todos os lados, mas no momento em que li a medicação receitada, lembrei de algo que meu vô me disse quando eu era bem piá:

“O lance é VENDER COISA, tá entendendo? E é sempre bom lembrar que no fim a única coisa realmente valiosa que é vendida é a tua força de trabalho, mas vê bem: ela tem que tá disfarçada em uns treco, pode ser umas caneca do star wars, umas cueca-virada, aula de inglês, corte de cabelo, livro, orientação de doutorado, serviço de motorista, extração de dente, extração de gente de dentro de gente, cachorro-quente, palha italiana, palestra, escrita de livro, vídeo no youtube, telentrega de sabonete por aplicativo, conserto de geladeira, banho em cachorro, assinatura em clube de livro, limpeza de calçada, revisão de texto, etc, etc, etc. Para de viajar, vai pensando, e vê se escolhe bem os treco, guri.”

Essas foram as palavras que o meu avô me disse quando eu tinha 5 anos; lembro muito bem. Eu tinha acabado de amarrar um lençol no meu pescoço, pra fazer uma capa, e tinha entrado no escritório dele com um braço pra cima, fazendo um FFSSSSHHH, pra imitar um barulho de vento, me babando todo; enfim, pra parecer que eu tava voando com uma capa e era poderoso. Meu vô deu um pulo na cadeira, largou a caneta que tava segurando (acho que ele tava fazendo umas contas), e disse “Que merda é essa?”, e eu respondi “Eu quero ser um super-herói quando eu crescer”. E foi aí que o meu vô proferiu a fala reproduzida acima.

Às vezes eu me pergunto se as pessoas gostam de quem elas são, se elas acham que têm uma quantidade maior de qualidades do que de defeitos e, no caso de admitirem ter mais defeitos do que qualidades, se elas pensam que o que têm de bom a oferecer compensa tudo que têm de ruim. Na verdade, às vezes eu me pergunto se as pessoas pelo menos pensam em coisas assim.

Ainda não fui bem de acordo com o que realmente acontece na minha cabeça, vou melhorar: às vezes me pergunto se as pessoas pensam O TEMPO TODO nesse tipo de coisa, se elas não conseguem descansar a cabeça por um minuto inteiro sem voltar a pensar sobre o quão boas ou o quão ruins elas talvez sejam, sobre o que andaram fazendo nos últimos tempos e também sobre o que fizeram muitos anos antes.

Sobre a minha relação com as pessoas, eu penso duas coisas, basicamente: quero ter indiferença ou desprezar aquelas de quem eu não gosto, e quero agradar e demonstrar apreço àquelas de quem eu gosto, sempre tentando ter a sabedoria necessária pra distinguir umas das outras (AA Amém).

Sabendo que as coisas são muito mais complexas do que isso e que nada funciona dessa forma tão simples, sabendo que insistir num funcionamento assim pode trazer sérias dificuldades e sabendo que venho há muito tempo tentando aprender sobre o ponto onde eu fico no meio de tantas preocupações com os outros, posso dizer o seguinte: ter sentido muita raiva de algumas poucas pessoas me trouxe problemas, mas ter tentado fazer o bem a muitas outras foi sempre o que me levou aos piores resultados.

Na minha turma do segundo ano tinha um menino chamado Eduardo. Ele era bem mais malandro do que eu e se gabava de viver pela rua transando com gurias, bebendo e fumando maconha. Ele era alegre, extrovertido, jogava futebol muito bem e morreu espancado com pedaços de pau durante um assalto perto de onde eu morava, no bairro Santo Antônio. Na época não chorei. Na verdade, chorei pela morte dele só ontem, doze anos depois, quando voltei da clínica e cheguei em casa adulto e triste, carregando uma sacola cheia de pinhão. Venho há uns cinco anos dizendo que quero um dia tentar fazer um risoto de pinhão, e ainda não fiz.

A todos que amo e aos que já amei, dedico minhas incapacidades.

Hoje catei o Jonathan no face, chamei ele pra dar uma banda, ele me disse que já tava um pouco melhor também. Fomos passear no shopping pra comer na Usina das Massas, muito bom, saboroso. Depois comemos casquinha de sorvete no frio dando risada. Passei na Saraiva e comprei o livro “A sutil arte de ligar o f*da-se” e li inteirinho logo que cheguei em casa, tô me sentindo realmente muito melhor. O livro é muito laranja e muito bom, muito inspirador. Por isso, depois de quase um mês sem postar nada aqui, vim novamente divulgar os livros que eu escrevi e publiquei. Meu avô tinha razão, eu preciso melhorar e conseguir vender minhas coisas, meu trabalho. Alguém quer comprar? Pode chamar inbox, sério. Um é 25 reais, o outro é 45, uma novela e um romance. A novela se chama Elogio dos Tratados sobre a Crítica dos Discursos, e o romance se chama Bando de Desgraçado. O Jonathan falou que queria muito ler, disse que ia comprar. Mas eu acabei dando de presente pra ele. O cara é muito gente boa.

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